O relatório preliminar da reforma tributária, apresentado na última terça-feira (13), prevê o fim de incentivos fiscais para setores da indústria farmacêutica, perfumaria e higiene pessoal; químicos e farmacêuticos e de embarcações e aeronaves. O fim desses incentivos deve encarecer produtos como shampoos, escovas de dentes e até remédios. Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a mudança deve fazer com que cerca de 20 mil empresas repassem o aumento dos custos, impactando o preço para o consumidor final.
“Reduzir incentivos fiscais de empresas que já estão tendo dificuldades por causa da pandemia é algo que vai contra o estímulo à produção e vai contra o papel que os governos devem exercer em momentos de dificuldade, como o que enfrentamos com a pandemia”, diz André Mendes Moreira, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) e sócio do escritório Sacha Calmon. “A indústria deve apenas repassar esse aumento de impostos aos consumidores, já que quem paga tributo não é a empresa, quem paga é a sociedade”, afirma.
Até itens de perfumaria ficariam mais caros
O parecer do deputado Celso Sabino (PSDB-PA), relator do projeto, prevê cortar os benefícios fiscais para compensar a queda de imposto para 1,1 milhão de empresas ativas. O corte de benefícios atingiria companhias de cosméticos, perfumaria, medicamentos, produtos químicos, fabricantes de aeronaves e estaleiros. O relator negou que haverá corte de benefícios para a indústria de bebidas e xaropes na Zona Franca de Manaus —essa possibilidade estava em estudo pela equipe econômica do governo.
Associações que representam empresas repudiam medida
Entidades que representam os setores atingidos já começaram a se manifestar contrárias à retirada dos benefícios. A Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem afirmou que, no caso do setor, existem benefícios que são repassados aos usuários e a sua retirada “de forma pouco avaliada” pode ser uma medida em sentido oposto. Já a Associação Brasileira das Empresas Aéreas disse, por meio de nota, que a medida poderá significar mais custos para a aviação comercial, prejudicando um setor que já tem sido duramente afetado pela pandemia.
Para a Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos), esse não é o momento de se rediscutir a carga tributária já que a crise ainda afeta o setor, mas, caso o governo faça questão, deve-se repensar todos os benefícios, sem limitação. “Todos nós fomos surpreendidos com a proposta divulgada e, por isso, nós somos muito favoráveis a uma reforma ampla que se discuta todos os casos”, disse João Carlos Basilio, presidente-executivo da Abihpec. De acordo Basilio, o setor não teve a oportunidade de apresentar estudos sobre os impactos causados pela medida e quem deve pagar a diferença de preço sentida em produtos como xampus e escovas são os consumidores.
“Achamos a mudança injusta, pois quem vai pagar isso é a sociedade. Vamos transferir esse impacto fiscal para os preços dos produtos. Somos, de certa forma, resilientes a crises já que há muitos anos isso ocorre. Por mais que a pessoa esteja em dificuldade, você não deixa de comprar os produtos do setor, que são essenciais, mas há muita concorrência e as margens não conseguem segurar esse aumento”, disse.
Fim do benefício não é de todo ruim, diz tributarista
Para o advogado tributarista Matheus Bueno, do escritório Bueno e Castro, o fim dos benefícios fiscais não pode ser confundido com um mero aumento na tributação da produção. “Isoladamente, a retirada de incentivos deverá ser repassada no preço, mas ela está sendo feita em um contexto de uma reforma e é uma forma de pedágio que alguns setores deverão pagar. No balanço, [a retirada dos benefícios fiscais] não é de todo ruim”, afirmou. Segundo o especialista, apesar de a iniciativa aumentar os custos dos produtores dos setores selecionados, o novo enquadramento tributário previsto para as empresas deverá beneficiar a sociedade como um todo.
“É um efeito maior em alguns setores para que, do lado positivo, mais pessoas sejam beneficiadas com a redução de impostos. A reforma tem que revisar benefícios e, assim como vimos há tempos atrás no caso da isenção dos livros, que fez muito barulho pela forma que foi anunciada, mas que é uma discussão coerente, os benefícios têm que ser repensados”, disse.